sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Momento Lisergia

What keeps u busy?

E como o sono era grande os pensamentos não paravam de fluir. As resistências baixavam e a sexta-feira à noite era quase igual a uma segunda qualquer. Pensava ainda, por quanto tempo continuaria a dobrar a perna sobre a cadeira, toda vez que parava para visualizar o mundo que se abria na tela do computador. Mesmo que cansasse, mesmo que doesse, mesmo que o medo das varizes pela má circulação a aterrorizassem, ela continuava insistindo em fazer o mesmo. Rapidamente colocou os dois pés no chão. Deixou a coluna ereta como mandava o manual, para logo em seguida voltar a dobrá-las. Era quase uma obsessão. Já fazia isso em qualquer lugar: no ônibus, no banco da praça, quando ficava nervosa.
No quarto tocava um James Brown que ela nunca tinha conseguido ouvir inteiro. Uma hora de uma remixagem que se não fosse tão boa, cansaria. Mais uma vez ela não iria ouvi-lo inteiro.
Tinha chegado a uma conclusão: o amor não trai, mas também não se sente traído. Por que as pessoas, quando querem ficar juntas, insistem em se podar? Isso não dizia respeito a ela. Responder a questão também não era a sua missão do final de semana. Queria muito mais.

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

A VIDA ALÉM DO ÓBVIO

Os Skrotes. Não, não há aí nenhum erro de digitação, eles são Os Skrotes. Se subverter a ordem das coisas fosse proibido, pelo menos na música nada mais original surgiria. Eles não tem nada a ver com o pop rock inglês, ou daqui há pouco o estão usando como mais um ingrediente na improvisada mistura psicodélica que fazem.

Pegue o jazz, misture com o rock, de uma salpicada com reggae, jogue uns sintetizadores, uma boa dose de funk setentista e uma pitada dos melhores ritmos brasileiros, ta aí, você tem “Os Skrotes”.

Surgidos em 2009 em um inferninho da capital catarinense tem chamado a atenção pela autenticidade e qualidade sonora do que criam. Entre recriações e canções próprias conseguem fazer muita gente sair de casa para vê-los tocar.

Se no início era improvisação pura, com a saída do antigo baixista e a chegada de Chico Abreu em seu lugar, a banda, que conta ainda com Igor de Patta nos teclados e Guilherme Ledoux na bateria, começou a se estruturar.

Das suas criações saiu um material que serviu de trilha sonora para um documentário realizado pela Vinil Filmes, o “Ilha 70”, lançado entre abril e maio deste ano e que aborda a cultura e comportamento de Florianópolis nos anos 70. Dessa parceria também sairá um DVD, que mostrará a banda trabalhando com diferentes produtores em diferentes estúdios, bem no estilo “mix-up”.

Suas influências são as mais variadas possíveis: vão de Ramones ao Funkadelic, passam pelos Beatles e Santana, bebem na fonte de Mile Davis, trocam idéia com Bob Marley e John Coltrane, absorvem os ensinamentos de Tchaicovsky, e por aí vai. É a pós-modernidade.

Eles querem provocar. Não tem letras, é tudo instrumental, indo bem ao encontro da proposta da banda, que é, segundo seus músicos, “não ter propostas, deturpar ou alterar lembranças e possibilitar vôos personalizados e livres”.

Em plena ebulição, os caras estão correndo atrás para corresponder o inesperado recebimento do público. Daqui há uns dois meses devem entrar em estúdio para gravar seu primeiro CD. Enquanto isso, o baterista Ledoux, que também é cineasta, prepara um vídeo experimental de média metragem, com aproximadamente 20 minutos, sobre a banda.

No mais, é acessar o http://www.myspace.com/osskrotes ou vir curtir um frio em Floripa e assim, aproveitar para chacoalhar o corpo na pistinha de algum inferninho em que os caras estejam tocando. É isso.

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Simplesmente Ela



Ontem voltei completamente absorta pelo monólogo “Simplesmente eu, Clarice Lispector”; encenado, roteirizado e dirigido por Beth Goulart.

O cenário, a semelhança física, o texto, a fala ritmada, a iluminação.

A luz acende. Apaga. Quando vai reacendendo é como se abrisse uma sessão espírita (juro que não é deboche, ela realmente “incorpora”) e a atriz, de costas, levanta o braço com um cigarro aceso e o leva em direção a boca. Seu movimento é muito similar aos trejeitos da escritora. Arrepia.
O cenário parece contribuir para o clima de post-mortem. Seu fundo, formado de tiras brancas que, às vezes, pareciam prata ou cristal, remetia a um cenário “além da vida”.

Achei que a peça pudesse beirar a angústia, como sugeriu um amigo. Não era. A única angústia foi criada por um povo que não parava quieto e ficava desgrudando suas coxas de um couro antigo que balançava a cadeira e fazia: nhéc, nhéc, nhéc. Tenso.

O texto disseca Clarice, sua relação com a escrita e consigo mesmo. Em alguns momentos a atenção tem que ser excessiva, e você mergulha mentalmente palco adentro. São os trechos mais subjetivos, que precisariam ser lidos pelo expectador para serem melhor absorvidos. Mas é exatamente a necessidade da atenção excessiva que fornece o clima denso que caracteriza a obra.
A peça é um apanhado de trechos de textos e livros da escritora. Pelo trabalho, Beth Goulart recebeu o Prêmio Shell 2009 de melhor atriz. Nada mais justo.

terça-feira, 27 de julho de 2010

Conte um conto

Funciona assim: a revista literária virtual Histórias Possíveis resolveu desafiar os leitores enviando uma imagem a partir da qual deveria ser escrito um conto. Eles já faziam isso, mas apenas com palavras. Agora o negócio literalmente mudou de figura.

A imagem da vez foi uma cena de um filme do Jean-Luc Godard, Bonde à Part, de 1964.


Aceitei o desafio e o resultado foi meu conto, "O lado escuro da Alma", publicado na edição 58 da revista.

Para maiores informações sobre como participar clique aqui.

segunda-feira, 19 de julho de 2010

50 Cent X Simon Reynolds

Tudo bem, vamos lá. Não sei se já começou, se já acabou, nem sei se foi. Deve estar acontecendo o show do 50 Cent na Passarela Nego Querido, aqui em Florianópolis. Chove demais, tá frio, e não tem programa pior para assistir - do que esse tal de 50 Cent - numa baía que pega o vento sul de frente.

Dizem que ele anda mais sociável, precisando de menos seguranças do que um "gangsta" precisaria. Esta no Brasil, em um turne para divulgação de um cd que se chama "Before I self destruction" de 2009, e prepara outro chamado "Black Magic", baseado na soul music de Marvin Gaye e Curtis Mayfield. Não adianta. Adoro black music, qualquer uma, mas tem que ter "Ritmo".

Um show do 50 Cent remete diretamente para um texto do Simon Reynolds publicado na New Statesman em 1986. Crítico musical, Reynolds viveu uma era áurea para a opinião sobre o assunto. Escrevendo para diversos semanários e mensais, redige um texto que mistura o "no limits" de Lester Bangs com a fomalidade sociológica de Deleuze. Como resultado tem-se uma visão social da música, crítica bem separada nos dias de hoje do universo popular (capitalista soa muito chavão).

Bem, o texto. Em "Doente ou Doce: Hip-hop versus Indie Rock" Reynolds coloca o hip-hop como contestando o caminho que ele próprio segue: subir a qualquer preço, esbanjamento, sexo, violência, mulheres. Um gozo constante que camufla o autopreconceito.

Aí a gente começa a entender o porque o DJ do cara, o tal de Whoo Kid, faz declarações como as que fez. O que é difícil de entender são pessoas comprando uma realidade que não lhes pertence, como se fossem símbolo de status e sofisticação.
O que as músicas dizem não cabe a esse meio dizer, basta acessar o google e tirar suas próprias conclusões. Falta swing.

terça-feira, 13 de julho de 2010

"Dark Night of the Soul" - Sparklehorse, Danger Mouse & Lynch

Finalmente o "Dark Night of the Soul" atingiu a iluminação. Lengas lengas à parte (leia-se EMI),ontem foi oficialmente lançado o projeto multimídia de Mark Linkous (mentor do Sparklehorse e que se suicidou em março deste ano), Danger Mouse (Gnarls Berkley) e David Lynch. Sim, Lynch, o cineasta.
O álbum ficou pronto em 2009, mas a EMI levantou problemas jurídicos e o trabalho não foi lançado. Apesar disso as músicas já circulam na internet há um bom tempo, disponibilizadas pelos próprios autores.

Inspirados pela poesia mística de São João da Cruz, frade carmelita do século XVI e cujo livro dá nome ao trabalho, Linkous e Mouse fizeram as letras e chamaram para cantar nada menos que: Iggy Pop, Suzane Vega, Wayne Coyne (Flaming Lips), Gruff Rhys (Super Furry Animals), Jason Lytle (Grandaddy), Julian Casablancas (Strokes), Jason Mercer (Shins), Black Francis (Pixies), Nina Persson (Cardigans), e Vic Chesnutt. David Lynch juntou-se ao grupo com um livro de 100 páginas com fotografias inspiradas na letras e que refletem o universo denso das músicas.